O genitor que paga pensão alimentícia pode exigir a prestação de contas de quem administra o valor?
O
genitor que paga pensão alimentícia pode exigir a prestação de contas de quem
administra o valor?
Milena Barbosa Pereira Ferreira
Advogada
A pergunta do título
pode ser respondida afirmativamente, pois o genitor que paga pensão alimentícia
atende ao dever de sustento decorrente do poder familiar – autoridade parental (TEPEDINO,
2004) – e
possui o direito-dever de fiscalizar a manutenção e educação da sua prole de
acordo (artigos 1.703 e 1.589 do Código Civil). Essa fiscalização pode ser
feita na forma de ação de exigir contas, prevista nos artigos 550 a 553 do
Código de Processo Civil. O modelo de guarda, unilateral ou compartilhada, não
interfere na resposta.
Tal possibilidade
visa evitar o desvio dos recursos alimentares para atender finalidades
totalmente diversas àquelas do filho que deve ser beneficiado.
A viabilidade
jurídica da ação de exigir contas já foi objeto de decisões em sentidos
diversos no âmbito da Terceira Turma do STJ. Contudo, no julgamento do Recurso
Especial nº 1.814.639/RS, a Turma reconheceu a função supervisora por quaisquer
detentores do poder familiar no que se refere ao modo pelo qual a verba
alimentar é empregada. A decisão foi recebida com entusiasmo pela doutrina
especializada:
[...]
Daí a importância da decisão, que leva em conta a função a
que se destinam os alimentos, bem como seu caráter dúplice, com faceta
material, mas também – e especialmente – imaterial. Desse modo, supera-se a
lógica própria de relações patrimoniais, pela qual a transferência da propriedade
retirava do alimentante o interesse sobre a disponibilidade do bem transferido,
que passava ao controle exclusivo do novo proprietário. Sob a perspectiva da
autonomia existencial e do princípio do melhor interesse da criança, convém
repetir: a autoridade parental é assegurada independentemente da atribuição da
guarda e deve ser exercida por ambos os genitores sempre no interesse do
alimentante.
Nessa esteira, a nova interpretação redimensiona, com
inegável acerto, a compreensão da autoridade parental e a disciplina dos
alimentos, administrados pelo guardião no exclusivo interesse dos filhos com
vistas à formação integral de sua personalidade.
Do ponto de vista do direito processual, o acórdão também deixa claro que a pretensão do alimentante segue o rito típico previsto para as ações de exigir contas previsto pelo art. 530 e §§ do Código de Processo Civil. Evita-se, assim, flexibilizações subjetivas dos ritos processuais, que tanto ameaçam a segurança jurídica. [...] (TEPEDINO, TEIXEIRA, PEÇANHA, 2020)
Ao encontro dessa perspectiva, decidiu a Quarta Turma do STJ no Recurso Especial nº 1.911.030/PR, em julgado ainda mais recente, pacificando o entendimento do STJ acerca do tema. Na decisão, a Turma fundamentou que a ação de exigir contas relativas ao pagamento de pensão alimentícia propicia que os valores alimentares sejam melhor aplicados e assegura o exercício do direito-dever fiscalizatório ao genitor que não tem a guarda do filho com exclusividade.
Dessa forma, verifica-se que o entendimento atual do STJ é compatível com a premissa legalmente assegurada de que a autoridade parental, exercida por ambos os genitores, determina a participação efetiva nos cuidados e nos investimentos em alimentação, saúde, educação e demais circunstâncias que devem ser contempladas com o pagamento da pensão alimentícia.
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