Planejamento patrimonial: alteração de regimes de bens e o novo Código de Processo Civil
2016
13/05

Planejamento patrimonial: alteração de regimes de bens e o novo Código de Processo Civil

13/05/2016
Planejamento patrimonial: alteração de regime de bens e o novo Código de Processo Civil

Cristiano Pretto

O Código Civil de 2002 incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro o princípio da mutabilidade do regime de bens do casamento. Com efeito, o art. 1.639, §2º, do Código Civil prevê que é admissível alteração do regime de bens do casamento, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

Entre os principais motivos para alteração de regime estão “as necessidades da vida profissional (…) ligado a situações em que os cônjuges exerçam atividade profissional suscetível de envolver riscos ao patrimônio do casal”, a intenção dos cônjuges de “gerir livremente os seus bens, abandonando um regime de comunhão” visando maior autonomia, “o desejo de obter vantagens fiscais” ou “facilitar a transmissão dos bens por via sucessória” (LOBO XAVIER, M. Rita Aranha da Gama. Limites à autonomia privada na disciplina das relações patrimoniais entre os cônjuges. Coimbra: Almedina, 2000, p. 154 ss.) ou mesmo nova regulamentação em razão da alteração de circunstâncias que, na época do casamento, determinaram a regência patrimonial por determinado regime de bens, como a previsão do art. 1.641, do Código Civil.

Na maioria das vezes, a motivação estará ligada, ao que tudo indica, a algum planejamento, seja ele familiar, empresarial ou sucessório. Por isso a importância da matéria.

Em linhas gerais, a alteração de regime de bens depende de requerimento judicial de ambos os cônjuges. O casal indicará a motivação para tal finalidade e o novo regime de bens que vigorará.

Muitos julgados exigem a prova de que a alteração não acarretará prejuízo a terceiros, seguindo-se, inclusive, a orientação do enunciado n. 113, da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, que diz: “É admissível a alteração do regime de bens entre os cônjuges, quando então o pedido, devidamente motivado e assinado por ambos os cônjuges, será objeto de autorização judicial, com a ressalva dos direitos de terceiros, inclusive dos entes públicos, após perquirição de inexistência de dívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade”.

No entanto, já se decidiu que “em pedido de alteração de regime de bens, não há necessidade de juntada de farta documentação para preservação de direitos de eventuais credores, pois seus direitos já estão protegidos pela própria lei (artigo 1.639, § 2º do Código Civil). Caso em que a alteração do regime de bens não tem efeito em relação aos credores de boa-fé, cujos créditos foram constituídos à época do regime de bens anterior” (AI 70038227633, 8ª CCTJRS, Rel. Des. Rui Portanova, j. 24/08/2010).
No que se refere a motivação, parece mesmo correto afirmar que “embora caiba ao Judiciário a análise da justificativa apresentada, não devemos ser por demais resistentes a essa mudança. Mesmo porque não se pode esquecer que o motivo apresentado pelas pessoas sempre guardará uma carga subjetiva em face às inúmeras razões que podem levar um casal a optar pela alteração do regime de bens” (Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 70018757245, 8ª Câmara Cível. Rel. Des. Rui Portanova, 26.04.2007).

No Superior Tribunal de Justiça, tem se consolidado o entendimento de que se deve interpretar a exigência de “pedido motivado de ambos os cônjuges” e “procedência das razões invocadas” para a modificação do regime de bens do casamento sob a perspectiva de que o direito de família deve ocupar, no ordenamento jurídico, papel coerente com as possibilidades e limites estruturados pela própria CF, defensora de bens como a intimidade e a vida privada. Nessa linha de raciocínio, o casamento há de ser visto como uma manifestação de liberdade dos consortes na escolha do modo pelo qual será conduzida a vida em comum, liberdade que se harmoniza com o fato de que a intimidade e a vida privada são invioláveis e exercidas, na generalidade das vezes, no interior de espaço privado também erguido pelo ordenamento jurídico à condição de “asilo inviolável”. Sendo assim, deve-se observar uma principiologia de “intervenção mínima”, não podendo a legislação infraconstitucional avançar em espaços tidos pela própria CF como invioláveis. Deve-se disciplinar, portanto, tão somente o necessário e o suficiente para a realização não de uma vontade estatal, mas dos próprios integrantes da família. Desse modo, a melhor interpretação que se deve conferir ao art. 1.639, § 2º, do CC/2002 é a que não exige dos cônjuges justificativas exageradas ou provas concretas do prejuízo na manutenção do regime de bens originário, sob pena de esquadrinhar indevidamente a própria intimidade e a vida privada dos consortes” (REsp 1.119.462-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/2/2013).

Importa referir, por fim, que o Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado no sentido de que a alteração do regime tem efeitos “ex nunc”, isto é, que não tem efeitos retroativos, “tendo por termo inicial a data do trânsito em julgado da decisão judicial que o modificou” (REsp nº1.300.036⁄MT, Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, DJe 20⁄5⁄2014).

Essa é ideia, também, da maior parte da doutrina, como se pode ser ver em: DE CARVALHO FILHO, Milton Paulo. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. Coord. Cezar Peluso, 5. ed. rev. e atual, Barueri: Manole, 2011, p. 1857 e CAPARROS, Ernest. Le problème de la date d’entrée en vigueur du nouveau régime lors d’une mutabilité conventionnelle de régime matrimonial. Les Cahiers de droit, vol. 14, n° 2, 1973, p. 335-337.

Agora, o novo Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015, vigente desde 18/03/2016, fez previsões acerca da ação de alteração de regime de bens, na Parte Especial, Título III, Capítulo XV, que trata dos procedimentos especiais de jurisdição voluntária (Seção IV).

Com efeito, diz o art. 734, do Código de Processo Civil que “a alteração do regime de bens do casamento, observados os requisitos legais, poderá ser requerida, motivadamente, em petição assinada por ambos os cônjuges, na qual serão expostas as razões que justificam a alteração, ressalvados os direitos de terceiros”. A redação praticamente repete a regra de direito material.

O §1o prevê que ao receber a petição inicial, o juiz determinará a intimação do Ministério Público e a publicação de edital que divulgue a pretendida alteração de bens, somente podendo decidir depois de decorrido o prazo de 30 (trinta) dias da publicação do edital. Trata-se de procedimento que visa proteger os interesses de terceiros.

No §2o , o Código diz que os cônjuges, na petição inicial ou em petição avulsa, poderão propor ao juiz um meio alternativo de divulgação da alteração do regime de bens, a fim de resguardar direitos de terceiros. Parece uma alternativa ao edital (publicação virtual, por exemplo), que será avaliado pelo julgador. As decisões sobre a matéria, ao que parece, serão delineadas a partir da diretriz utilizada no que se refere a proteção de terceiros. Se a premissa é de que os efeitos da alteração já é proteção suficiente, a divulgação pode ser minimizada.

Finalmente, há previsão (§3o) de que, após o trânsito em julgado da sentença, serão expedidos mandados de averbação aos cartórios de registro civil e de imóveis e, caso qualquer dos cônjuges seja empresário, ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins.

A alteração do regime de bens do casamento pode ser uma importante ferramenta de planejamento familiar. Pode estar ligado, também, a um planejamento sucessório e, mesmo, empresarial. Muitas vezes, no momento do casamento, os cônjuges não têm consciência do melhor regime a seguir, o que poderá ensejar alteração posterior. De fato e objetivamente, o importante é saber que salvo exceção legal, a estipulação do regime é faculdade dos nubentes, que devem escolher o que melhor lhes aprouver (art. 1.639, do Código Civil).

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