Data-base para apuração dos haveres no caso de dissolução parcial de sociedade e o CPC/2015
2017
09/02

Data-base para apuração dos haveres no caso de dissolução parcial de sociedade e o CPC/2015

09/02/2017
Data-base para apuração dos haveres no caso de dissolução parcial de sociedade e o CPC/2015

Cristiano Pretto

O Código de Processo Civil de 2015 fez previsões acerca da denominada “Ação de Dissolução Parcial de Sociedade” (arts. 599 ss.) e no art. 605 dispôs que “a data da resolução da sociedade será: no caso de falecimento do sócio, a do óbito; na retirada imotivada, o sexagésimo dia seguinte ao do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante; no recesso, o dia do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio dissidente; na retirada por justa causa de sociedade por prazo determinado e na exclusão judicial de sócio, a do trânsito em julgado da decisão que dissolver a sociedade; e na exclusão extrajudicial, a data da assembleia ou da reunião de sócios que a tiver deliberado”.

Percebe-se que o legislador tentou prever as hipóteses mais comuns de “dissolução parcial”: morte, retirada imotivada, recesso, retirada de sociedade por prazo determinado e exclusão judicial e extrajudicial.

No entanto, parece prudente estabelecer um critério concreto para os casos não previstos expressamente na legislação ou mesmo para processos que já tramitam e serão julgados sob a ótica do novo Código. Por exemplo, certamente não são poucos os processos nos quais se trata de retirada imotivada e não há notificação prévia, sendo certo que se deve considerar irrelevante para o ajuizamento da dissolução de sociedade a existência de notificação prévia, consoante jurisprudência pacífica sobre a matéria, no mínimo não é razoável desconsiderar a construção jurisprudencial e doutrinária existente até presente data (no Superior Tribunal de Justiça: Resp. 687.679/PR, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma do STJ, DJU 26/02/2007, p. 584: (…) “Na ação de dissolução parcial de sociedade com a devida apuração de haveres é desnecessária a notificação prévia”; no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: APC 70044659019, 6ª CCTJRGS, Rel. Des. Ney Wiedemann Neto, 15/12/2011; APC 70040264962, 6ª TJRGS, Rel. Des. Sylvio José Costa da Silva Tavares, 21/05/2015; APC 70018548065, 5ª CCTJRGS, Rel. Des. Pedro Luiz Rodrigues Bossle, 14/03/2007).

Tem-se que, em complemento da regra legal, no sentido de fixar um marco comum para todos os casos de dissolução parcial, deve ficar claro que o momento de fixação da data-base para apuração de haveres deve coincidir com o momento em que o sócio retirante (em sentido amplo) perdeu, de fato, o vínculo com a sociedade.

Em outras palavras, “a data-base para apuração dos haveres coincide com o momento em que o sócio manifestar vontade de se retirar da sociedade limitada estabelecida por tempo indeterminado” (REsp 1.371.843/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma do STJ, DJU 26/03/2014). No mesmo sentido: “o termo inicial da apuração dos haveres deve ser o da data da saída de fato do sócio-retirante, pois a partir de então não mais participa da administração da sociedade, e não pode se beneficiar dos esforços despendidos pelos sócios remanescentes para a obtenção de lucros futuros” (AI 70062435011, 6ª CCTJRGS, Rel. Des. Luiz Menegat, 26.03.2015).

Este marco tem fundamento em extensa construção jurisprudencial e doutrinária.

Sobre fixar a data-base no momento em que é incontroverso desligamento dos sócios, veja-se, por exemplo: APC 70065091027, 6ª CCTJRGS, Rel. Des. Elisa Carpim Corrêa, 24/09/2015; APC 70060306891, 5ª CCTJRGS, Rel. Des. Isabel Dias Almeida, 27/08/2014; APC 70020464970, 6ª CCTJRGS, Rel. Des. Liege Puricelli Pires, 28/08/2008; AI 70007683857, 5ª CCTJRGS, Rel. Des. Ana Maria Nedel Scalzilli, 04/03/2004; APC 597264837, 5ª CCTJRGS, Rel. Des. Sérgio Pilla da Silva, 07/05/1998.
No Superior Tribunal de Justiça: “quando o sócio exerce o direito de retirada de sociedade limitada por tempo indeterminado, a sentença apenas declara a dissolução parcial, gerando, portanto, efeitos ex tunc” (REsp. 646.221/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma do STJ, DJU 30/05/2005, p. 373).

Do voto vencedor no julgamento do Resp. n. 646.221/PR:

Com estes fundamentos, conclui-se que a data base para apuração dos haveres coincide com a manifestação da vontade do sócio de se retirar da sociedade limitada estabelecida por tempo indeterminado, o que, na hipótese, se deu com o ajuizamento da ação de dissolução parcial.

Ressalte-se que, mesmo com a retirada do sócio, a sociedade continua a existir, prosseguindo com suas atividades, sendo previsível a alteração de seu patrimônio, que poderá ser valorizado ou esvaziado pelo comportamento exclusivo dos sócios remanescentes, não sendo possível, portanto, admitir que o sócio retirante, que não mais participa ativamente da sociedade, seja beneficiado ou prejudicado no recebimento de seus haveres.

Por fim, para corroborar com os argumentos apresentados, aponta-se dispositivo do Novo Código Civil (art. 1.029) que estabelece o direito do sócio se retirar de sociedade por tempo indeterminado mediante notificação aos demais sócios, o que deixa claro a possibilidade de retirada extrajudicial e o caráter meramente declaratório da sentença que reconhece, neste caso, a dissolução parcial da sociedade.

Forte em tais razões, peço vênia ao e. Min. Relator para divergir de seu posicionamento e conhecer do recurso especial, lhe dando provimento para reformar o acórdão recorrido, reconhecendo o momento do ajuizamento da ação como data base para apuração dos haveres do recorrido.

No mesmo sentido: AgRg no Resp. n. 474.168/MG, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma do STJ, DJU 19/06/2006.

Se, eventualmente, no caso concreto, não é possível fixar a data conforme regras legais (não há notificação prévia, por exemplo), deve-se fixar a data-base o dia do ajuizamento da ação de dissolução ou, alternativamente, a data da citação da sociedade, pois “em que pese seja o ajuizamento o momento em que o sócio manifesta sua vontade de sair da sociedade, é a citação o ato de comunicação processual do réu, devendo este ser considerado o marco inicial da apuração de haveres” (APC 70039050760, 5ª CCTJRGS, Rel. Romeu Marques Ribeiro Filho, j. em 24/08/2011).

Em síntese, se determinado caso concreto que envolva dissolução de sociedade e apuração de haveres não se adaptar, com perfeição, à previsão legislativa, deve ser fixada como data-base para apuração dos haveres a data em que, de fato, o sócio se afastou, podendo ser, inclusive, a data do ajuizamento da ação de dissolução ou a data da citação válida, que induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor (art. 240, do CPC/2015).

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