Alimentos entre Cônjuges/Companheiros
2020
16/05

Alimentos entre Cônjuges/Companheiros

16/05/2020

ALIMENTOS ENTRE EX-CÔNJUGES/COMPANHEIROS

Breve análise do Resp 1.829.295-SC

 

Cristiano Pretto

Advogado. Mestre em Direito (UFRGS).

 

 

O mais recente Informativo publicado no site do Superior Tribunal de Justiça (Informativo n. 0669, de 08 de maio de 2020) registra o julgamento do REsp 1.829.295-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma do STJ, DJe 13/03/2020 e destaca: “a desoneração dos alimentos fixados entre ex-cônjuges deve considerar outras circunstâncias, além do binômio necessidade-possibilidade, tais como a capacidade potencial para o trabalho e o tempo de pensionamento”.

A chamada põe luz à consideração de outros aspectos, além do bastante conhecido binômio necessidade-possibilidade na fixação/exoneração dos alimentos entre ex-cônjuges/companheiros. Mas será este o ponto de maior relevância?

Vale comprovar, inicialmente, a tendência dos julgamentos do Superior Tribunal de Justiça acerca dos alimentos devidos entre ex-cônjuges/companheiros.

Por certo, alimentos entre ex-cônjuges ou ex-companheiros (REsp 1.025.769/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma do STJ, DJe 01/09/2010), de uniões héteros ou homossexuais (REsp 1.302.467-SP, 4ª Turma do STJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 25/3/2015), são devidos quando preenchidos os seguintes requisitos: (a) o vínculo conjugal ou de união estável; (b) a necessidade e a incapacidade do alimentando de sustentar a si próprio; e (c) a possibilidade do alimentante de fornecer alimentos. O raciocínio, para todos os casos, é o mesmo: dever de solidariedade, com regramento expresso nos artigos 1.566, III e 1.694, do Código Civil (ver, por exemplo: TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Fundamentos do Direito Civil. Direito de Família (v. 6). Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 359-362).

Sendo o caso de fixação de alimentos, é possível afirmar com certa tranquilidade que eles serão devidos excepcionalmente e ostentarão, “ordinariamente, caráter assistencial e transitório, persistindo apenas pelo prazo necessário e suficiente ao soerguimento do alimentado, com sua reinserção no mercado de trabalho ou, de outra forma, com seu autossustento e autonomia financeira” (REsp 1.454.263, Relator Min. Luis Felipe Salomão 4ª Turma do STJ, DJe 8/5/2015).

As exceções referem-se, por exemplo, às hipóteses nas quais o alimentado não dispõe de reais e objetivas condições de reinserção no mercado de trabalho, encontra-se em idade avançada ou tenha graves problemas de saúde que impeça sua autonomia financeira. Trata-se, unicamente, de garantir ao ex-cônjuge ou ex-companheiro, quando realmente necessário, “condições e tempo razoáveis para superar o desemprego ou o subemprego” (REsp 1.388.116/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma do STJ, DJe de 30/5/2014).

Em conclusão, “o pensionamento só deve ser perene em situações excepcionais, como de incapacidade laboral permanente, saúde fragilizada ou impossibilidade prática de inserção no mercado de trabalho (REsp 1.496.948/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma do STJ, DJe de 12/3/2015).

É o que está registrado, também, no Item 4, da Jurisprudência em Teses, Edição n. 65, do Superior Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br) que diz: 4) Os alimentos devidos entre ex-cônjuges devem ter caráter excepcional, transitório e devem ser fixados por prazo determinado, exceto quando um dos cônjuges não possua mais condições de reinserção no mercado do trabalho ou de readquirir sua autonomia financeira.

Parece claro que analisar “outras circunstâncias” é fundamental e há muito está nos critérios de julgamento, especialmente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Da leitura do voto do Relator está bastante claro este histórico de julgamentos. Portanto, a nota do Informativo, no ponto, não traz grande novidade.

Ao nosso sentir, mais importante é iluminar o conteúdo central do julgamento referido no Informativo, que foi o de reconhecer a ocorrência de cerceamento de defesa e cassar a sentença de primeira instância, para viabilizar a instrução probatória, considerando que os órgãos julgadores firmaram suas convicções baseadas em meras suposições”.

Concluiu, o Ministro Relator que “apesar da consabida importância da prova documental, em se tratando de controvérsia jurídica tão delicada e relevante para ex-consortes, e que é inegavelmente permeada por questões eminentemente fáticas, a hipótese dos autos releva a imprescindibilidade da produção de outras provas admitidas pelo ordenamento jurídico, a fim de (a) oportunizar às partes à ampla defesa de seus argumentos, em especial a real necessidade daquela que reclama a manutenção da prestação alimentar, bem assim (b) permitir que os pronunciamentos judiciais alcancem fundamentação capaz de justificar racionalmente a decisão adotada” (parte final do voto, no julgamento do REsp 1.829.295-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma do STJ, DJe 13/03/2020).

Certamente, sob olhar processual, afirmar o cerceamento de defesa é reconhecer o direito à prova, que também é um controle ao livre convencimento. “O livre convencimento não é um convencimento alheio a regras, nem pode ser reduzido a um mandato de livre admissão de provas”. [...] “Se o legislador estabelece um procedimento que pode ser violado ao arbítrio dos juízes, não faz uma lei, mas limita-se a dar um conselho. E daí segue-se outra distinção fundamental, sem a qual nenhuma segurança jurídica é possível: o juízo inerente ao livre convencimento não se confunde com o juízo de admissibilidade das provas. São planos diversos que devem ser separados com nitidez: a admissibilidade da prova (não se parte do livre convencimento), a valoração (aqui sim no plano de livre convencimento) e a fundamentação (discurso justificativo da decisão)” (KNIJNIK, Danilo. A Prova nos Juízos Cível, Penal e Tributário. Forense: Rio de Janeiro, 2007, p. 7-19). A fundamentação é, em certo sentido, a racionalidade referida pelo Ministro Relator.

Mas o ponto que pretendemos destacar aqui, é que determinar a produção de outras provas e o debate acerca da real necessidade e de todas as demais circunstâncias que circundam o pagamento de alimentos entre ex-cônjuges/companheiros é preocupar-se com a realidade fática e concreta de cada relação alimentar. Ou seja, é manter a compreensão de que os alimentos entre ex-cônjuges/companheiros são ordinariamente excepcionais e transitórios, mas tal conformação deve aderir à realidade do caso concreto, deve continuamente ser testada, em contato com a realidade (DATTILO, Giovanni. Tipicità e Realtà nel Diritto de Contratti. Rivista di Diritto Civile, v. XXX, n. 6, p. 732-810, nov./dez. 1984).

O julgamento, no nosso sentir, trata mesmo é de aplicar uma das diretrizes do Código Civil, a diretriz da operabilidade, da concretude (ver, aqui, REALE, Miguel. Visão geral do Projeto de Código Civil. Revista dos Tribunais, n. 752, p. 22-30, 1998). É dizer, baseado na compreensão jurídica de que alimentos entre ex-cônjuges/companheiros são ordinariamente excepcionais e transitórios é preciso conhecer e julgar acerca da realidade do caso concreto, da forma mais ampla possível. Em outras palavras, é preciso testar o regramento da matéria no caso concreto e isso só é possível produzindo provas e conhecendo a realidade.

Como nota final, força concluir que, trabalhar nesta perspectiva, traz para o Direito de Família o debate dogmático sobre “alteração de circunstâncias”, como “instituto jurídico-privado que interfere nas relações entre particulares”, sobre “boa-fé objetiva” (MENEZES CORDEIRO, António. Da Boa Fé no Direito Civil. 3. reimp. Coimbra: Almedina, 2007, p. 1006-1007) e, enfim, sobre a testagem do ordenamento no caso concreto.

Em conclusão: os alimentos entre ex-cônjuges/companheiros, em tese, são excepcionais e transitórios e não se pode analisar unicamente o binômio necessidade-possibilidade. Outras circunstâncias podem determinar fixação ou exoneração, mas não se pode descrevê-las por suposições e antecipadamente. 

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